h1

Excerto Literário – “O Tempo e o Vento – O Continente – Tomo 1”

março 9, 2010

postado por Rodolfo.

"Uma geração vai, e outra geração vem; porém a terra para sempre permanece. E nasce o sol, e põe-se o sol, e volta ao seu lugar donde nasceu. O vento vai para o sul, e faz o seu giro para o norte; continuamente vai girando o vento, e volta fazendo seus circuitos." - Eclesiastes 1,4-6

“A todas essas São Pedro do Rio Grande vivia abandonado e esquecido pela metrópole. Não lhe davam estradas nem pontes nem policiamento nem nada. Justiça? Ha-ha! Todos os processos tinham de ser julgados pela Relação do Rio de Janeiro, para onde eram remetidos e onde ficavam a criar cabelos brancos.

Parecia que a Corte achava que os continentinos só serviam para brigar com os castelhanos, porque quando rebentava a guerra começavam logo o recrutamento e as requisições.

Terminada a luta, cessavam de pagar o soldo às tropas e esqueciam-se de resgatar as requisições. E pouco se lhes dava que a guerra tivesse dizimado os rebanhos e destruído as lavouras do Continente.

– E onde é que eles metem o dinheiro do imposto? – perguntou um dos homens que escutavam Juvenal.

– Metem no rabo desses caramurus do inferno! – respondeu, azedo, um velhote de chiripá seboso.

Os outros o miraram de soslaio sem dizer nada.

– Com tudo isso que pagamos – disse Chico Pinto – não temos nem escolas pros nossos filhos.

O velhote cuspinhou para o lado e retrucou:

– Qual escola, qual nada! Não preciso dessas coisas. Não sei ler e isso nunca me fez falta. Também não tenho filho pra mandar pr’escola. Mas me dá raiva de ver que estamos sustentando
o luxo da Corte. O nosso dinheirinho é pra encher a barriga desses condes, duques e barões de meia-pataca!

Naquele mesmo dia, Juvenal transmitiu ao pai essas notícias inquietadoras. Pedro Terra ficou por algum tempo calado, e quando todos pensavam que ele as tinha esquecido, ouviram-no dizer:
– Já mataram o trigo, agora vão matar o resto. São pior que gafanhoto, pior que ferrugem.

– Quem, Pedro? – perguntou-lhe a mulher.

– Esses malditos caramurus.”

Capítulo XXIV, página 200, da obra prima do gaúcho Érico Veríssimo “O Tempo e o Vento”, do primeiro livro da trilogia, “O Continente – Tomo 1”, mas especificadamente da parte 2, ou “Um Certo Capitão Rodrigo” – Editora Globo, Edição X (livro gentilmente cedido por alguma boa alma no 4Shared, grazie!).

Deixe um comentário